quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Cultos à força

É certo e sabido que em época de crise, a cultura acaba sempre por ganhar um lugar privilegiado na vida das populações. Isto porque, numa altura em que as pessoas vivem desesperadas a tentar descobrir como vão conseguir viver com meia dúzia de trocos até ao final do mês sem passar fome, as diversas formas de cultura acabam por ser um escape que os ajuda a esquecer os problemas e a sobreviver até ao dia de receber o próximo ordenado.
Neste aspecto, os nossos comandantes estão a caminhar no sentido correcto. Portugal vai transformar-se numa nação inteligentíssima, com um QI  muito acima do (considerado) normal, com elevadas capacidades crítica, de análise e uma cultura geral a anos-luz da média actual. Esta semana, que ainda vai a meio, está a ser um verdadeiro corropio de novidades, de imposições que vão fazer dos portuguesas supra-sumos do saber.
A primeira medida prende-se com as legendagens dos filmes que passam na Cinemateca. Como todos devem saber, a cinemateca passa, essencialmente, filmes indies, pequenas produções feitas a nível local e gravados no idioma do país de origem, desde o espanhol ao árabe, passado pelo russo, pelo grego e pelo mandarim. Mas até aqui, todos os filmes eram legendados tornando possível a compreensão do trama sem grande esforço por parte do espectador. Com as medidas de austeridade aplicadas na cultura, a Cinemateca deixou de ter capital para importar as legendas, ou seja, os filmes continuam em exibição mas são transmitidos na sua língua original. Assim, para todos os admiradores de cinema independente, é bom que se tornem rapidamente em fluentes poliglotas para poderem continuar a acompanhar o que se passa nesta importante sala da cidade.
A outra medida está a tornar-se um escândalo e correu as redes sociais durante os dias de ontem e hoje. Alice Vieira, uma incontornável escritora portuguesa da actualidade, é conhecida essencialmente pelos seus livros infantis. No entanto, a senhora também escreve para adultos (essencialmente poesia), num registo mais sexual erótico. Na hora de escolher os livros recomendados pelo Plano Nacional de Leitura, apareceu um livro de poemas de Alice Vieira com um título sobre um passarinho e os senhores acharam que era uma coisa infantil. A sinopse:
Um livro de poesia que denuncia sentimentos, relações, vivências através de palavras, frases, versos.
A epígrafe do livro açambarca o conteúdo do livro:
Com os meus amigos aprendi que o que dói às aves
Não é o serem atingidas, mas que,
Uma vez atingidas,
O caçador não repare na sua queda


A capa:


Os senhores olharam para aqui, acharam que isto tinha um ar infantil e toca a recomendá-lo a crianças de 8/9 anos (2º ano). Alice Vieira veio a público mostrar a sua surpresa e indignação pelo facto... mas uma coisa é certa: se os miúdos lessem coisas dessas desde pequenos e fossem regularmente à Cinemateca ver filmes romenos, íamos criar uma nova geração, com uma inteligência superior. E se calhar é mesmo este o caminho! 

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